Divulgar idéias próprias, combater o discurso invertido corrente, aprender a dividir, expor sentimentos,
trazer poesia ao dia-a-dia, eis a abrangente ação deste veículo de idéias. De tudo, um pouco - minha meta.
 

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Design de
Rossana Fischer










22.5.05
 


Mittedrin, aéreo, por Bruma e Roberto Silva
Festival Mundial do Circo do Brasil
Foto de Guto Muniz



QUEM SE LEMBRA?

O GRANDE CIRCO MÍSTICO

1981: Surge o espetáculo de dança, O Grande Circo Místico, baseado no poema homônimo, do poeta alagoano Jorge de Lima, com roteiro de Naum Alves de Souza e coreografia de Carlos Trincheiras, pelo Ballet Guaíra.

1983: Gravação do disco O Grande Circo Místico. Músicas de Edu Lobo e letras de Chico Buarque, baseadas no mesmo poema.

Todos devem estar lembrados e os mais novos, pelo menos, informados a respeito, pois falo realmente de trabalhos de qualidade. Em se tratando do disco, na minha opinião, o melhor e mais inspirado trabalho desta magnífica parceria, Edu/Chico. Gravadas 11 músicas interpretadas por excelentes vozes, na seguinte ordem:

Abertura do Circo
Beatriz
Valsa dos Clowns
Opereta do Casamento
A história de Lily Braun
Meu Namorado
Sobre Todas as Coisas
A Bela e a Fera
Ciranda da Bailarina
O Grande Círco Místico
Na Carreira


O que importa saber é que músicas e letras foram inspiradas em uma das obras de maior relevo em nossa poesia: "A Túnica Inconsútil"(1938) do já nomeado poeta Jorge de Lima.

Do texto original:

O GRANDE CIRCO MÍSTICO

Jorge de Lima (1893-1953)

O médico de câmara da imperatriz Teresa - Frederico Knieps
resolveu que seu filho também fosse médico,
mas o rapaz fazendo relações com a equilibrista Agnes,
com ela se casou, fundando a dinastia de circo Knieps
de que tanto se tem ocupado a imprensa.
Charlote, filha de Frederico se casou com o clown,
de que nasceram Marie e Oto.
E Oto se casou com Lily Braun a grande deslocadora
que tinha no ventre um santo tatuado.
A filha de Lily Braun, a tatuada no ventre,
quis entrar para um convento,
mas Oto Frederico Knieps não atendeu,
e Margarete continuou a dinastia do circo
de que tanto se tem ocupado a imprensa.
Então, Margarete tatuou o corpo
sofrendo muito por amor de Deus,
pois gravou em sua pele rósea
a Via-Sacra do Senhor dos Passos.
E nenhum tigre a ofendeu jamais;
e o leão Nero que já havia comido dois ventríloquos,
quando ela entrava nua pela jaula adentro,
chorava como um recém-nascido.
Seu esposo, o trapezista Ludwig, nunca mais a pôde amar,
pois as gravuras sagradas afastavam
a pele dela e o desejo dele.
Então, o boxeur Rudolf que era ateu
e era homem fera derrubou Margarete e a violou.
Quando acabou, o ateu se converteu, morreu.
Margarete pariu duas meninas que são o prodígio do Grande Circo Knieps.
Mas o maior milagre são as suas virgindades
em que os banqueiros e os homens de monóculo têm esbarrado;
são as suas levitações que a platéia pensa ser truque;
é a sua pureza em que ninguém acredita;
são as suas mágicas em que os simples dizem que há diabo;
mas as crianças crêem nelas, são seus fiéis, seus amigos, seus devotos.
Marie e Helene se apresentam nuas,
dançam no arame e deslocam de tal forma os membros
que parece que os membros não são delas.
A platéia bisa coxas, bisa seios, bisa sovacos.
Marie e Helene se repartem todas,
se distribuem pelos homens cínicos,
mas ninguém vê as almas que elas conservam puras.
E quando atiram os membros para a visão dos homens,
atiram as almas para a visão de Deus.
Com a verdadeira história do grande circo Knieps
muito pouco se tem ocupado a imprensa.


O CIRCO MÌSTICO

Edu Lobo/Chico Buarque

Não
Não sei se é um truque banal
Se um invisível cordão
Sustenta a vida real

Cordas de uma orquestra
Sombras de um artista
Palcos de um planeta
E as dançarinas num grande final

Chove tanta flor
Que sem refletir
Um ardoroso espectador
Vira colibri

Qual
Naõ sei se é nova ilusão
Se após osalto mortal
Existe outra encarnação

Membros de um elenco
Malas de um destino
Partes de uma orquestra
Duas meninas no imenso vagao

Negro refletor
Flores de organdi
E o grito do homem voador
Ao cair em si

Não sei se é vida real
Um invisível cordão
Após o salto mortal

(Interpretada por Zizi Possi)


Não consigo deixar de trazer aqui, mais uma vez, aquela que é a minha predileta desta coleção de jóias, quiçá do cancioneiro brasileiro:

SOBRE TODAS AS COISAS

Edu Lobo/Chico Buarque

Pelo amor de Deus
Não vê que é pecado, desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus fica zangado vendo alguém
Abandonado pelo amor de Deus
Ao Nosso Senhor
Pergunte se Ele produziu nas trevas o esplendor
Se tudo foi criado: o macho, a fêmea, o bicho, a flor
Criado para adorar o Criador
E se o Criador
Inventou a criatura por favor
Se do barro fez alguém com tanto amor
Para amar Nosso Senhor
Não, Nosso senhor
Não há de ter lançado em movimento terra e céu
Estrelas percorrendo o firmamento em carrossel
Pra circular em torno ao Criador
Ou será que o deus
Que criou nosso desejo é tão cruel
Mostra os vales onde jorra o leite e o mel
E esses vales são de Deus
Pelo amor de Deus
Não vê que isso é pecado, desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus fica zangado vendo alguém
Abandonado pelo amor de Deus

(Interpretada por Gilberto Gil)

publicado por Magaly Magalhães às 9:33 PM
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