Divulgar
idéias próprias, combater o discurso invertido corrente,
aprender a dividir, expor sentimentos,
trazer poesia ao dia-a-dia, eis a abrangente ação deste
veículo de idéias. De tudo, um pouco - minha meta.
Aliki, eis o bouquet que armei pra você, com as flores lindas que ela cultivou, regadas com as mais límpidas lágrimas de amor e dor que lhe brotaram dos olhos e que ela tão bem adubou com as filigranas sensíveis de sua alma de poeta. Não sei se o fiz bem. É uma seleção quase impossível, e olhe que não saí dos sonetos, decididamente a forma poética em que ela se concentrou ardorosamente. Colhi-os aqui e ali, nos diversos livros que deixou e tive dificuldade de me conter, tal a atmosfera que emana de seus preciosos sonetos.
Falamos, Aliki e eu, da poetisa portuguesa Florbela Espanca, de cuja obra poética assim fala Maria Lúcia Dal Farra: ”Bíblia de iniciação amorosa, dicionário das vicissitudes da mulher, livro-de-horas da dor”.
Pena que não tenha suportado as angústias que lhe infligiu a vida (a mais grave, a morte de seu único e adorado irmão) suicidando-se aos 36 anos de idade (1930), em plena maturidade artística. Mulher extraordinária, conseguiu imprimir à sua poesia o tom de revolta aos ritos sociais vigentes que tolhiam a condição feminina e equivaliam a uma verdadeira maldição. Como bem disse Maria Lúcia dal Farra, “Florbela consegue, através dos seus poemas, o prodígio de transmutar a histórica inatividade social da mulher em ...genuína força produtiva!”
Paro aqui para dar conta da seleção dos poemas, tirados dos volumes cronologicamente alinhados, a saber:
De TROCANDO OLHARES (1915 – 1917)
Vozes do mar
Quando o sol vai caindo sobre as águas Num nervoso delíquio d’oiro intenso, Donde vem essa voz cheia de mágoas Com que falas à terra, ó mar imenso?...
Tu falas de festins, e cavalgadas De cavaleiros errantes ao luar? Falas de caravelas encantadas Que dormem em teu seio a soluçar?
Tens cantos d'epopeias? Tens anseios D'amarguras? Tu tens também receios, Ó mar cheio de esperança e majestade?!
Donde vem essa voz, ó mar amigo?... ... Talvez a voz do Portugal antigo, Chamando por Camões numa saudade!
De LIVRO DE MÁGOAS (1919)
Este Livro...
Este livro é de mágoas. Desgraçados Que no mundo passais, chorai ao lê-lo! Somente a vossa dor de Torturados Pode, talvez, senti-lo... e compreendê-lo.
Este livro é para vós, Abençoados Os que o sentirem, sem ser bom nem belo! Bíblia de tristes... Ó Desventurados, Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo!
Livro de Mágoas... Dores... Ansiedades! Livro de Sombras... Névoas... e Saudades! Vai pelo mundo... (Trouxe-o no meu seio...)
Irmãos na Dor, os olhos rasos de água, Chorai comigo a minha imensa mágoa, Lendo o meu livro só de mágoas cheio!...
De SÓROR SAUDADE (1923)
Os versos que te fiz
Deixa dizer-te os lindos versos raros Que a minha boca tem pra te dizer ! São talhados em mármore de Paros Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros, São como sedas pálidas a arder ... Deixa dizer-te os lindos versos raros Que foram feitos pra te endoidecer !
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda ... Que a boca da mulher é sempre linda Se dentro guarda um verso que não diz !
Amo-te tanto ! E nunca te beijei ... E nesse beijo, Amor, que eu te não dei Guardo os versos mais lindos que te fiz!
De CHARNECA EM FLOR (1931, Póstuma)
Charneca em flor
Enche o meu peito, num encanto mago, O frêmito das coisas dolorosas... Sob as urzes queimadas nascem rosas... Nos meeus olhos as lágrimas apago...
Anseio!Asas abertas! O que trago Em mim? Eu oiço bocas silenciosas Murmurar-me as palavras misteriosas Que perturbam meu ser como um afago!
E, nesta febre ansiosa que me invade, Dispo a minha mortalha, o meu burel, E, já não sou, Amor, Sóror saudade...
Olhos a arder em êxtase de amor, Boca a saber a sol, a fruto, a mel: Sou a charneca rude a abrir em flor!
De RELIQUIAE (1931, póstuma)
Mais alto
Mais alto, sim! mais alto, mais além Do sonho, onde morar a dor da vida, Até sair de mim! Ser a Perdida, A que se não encontra! Aquela a quem
O mundo não conhece por Alguém! Ser orgulho, ser àguia na subida, Até chegar a ser, entontecida, Aquela que sonhou o meu desdém!
Mais alto, sim! Mais alto! A intangível! Turris Ebúrnea erguida nos espaços, À rutilante luz dum impossível!
Mais alto, sim! Mais alto! Onde couber mal da vida dentro dos meus braços, Dos meus divinos braços de Mulher!
Santa Maria, mãe de Deus, intercedei pelos que sofrem atngidos pelo terremoto no Peru, dai-lhes a força necessária para que eles se reergam com coragem e fé.
Saudade de falar de poesia, de ler poemas quentes, mágicos, engraçados, líricos. Escolhi dois poetas, um carioca e um baiano, ambos excelentes e, com certeza, conhecidos de vocês – Alexei Bueno e Luís Antônio Cajazeira Ramos.
ALEXEI BUENO
PERGUNTA
Será realmente a face do Universo
A face da Medusa,
Esta geral destruição confusa,
Este criar perverso,
Ou será a máscara, álgida e estrelada,
Onde os cometas passam,
Turva de treva, rútila de nada,
E onde olhos se espedaçam?
(De Lucernário)
L. A. CAJAZEIRA RAMOS
ANÁTEMA
Vogo na idéia vaga e vã do eu, como se houvesse em mim um ser e um cerne, uma alma inominada, em corpo inerme, amálgama de fiat lux et breu.
Mimo a mim mesmo com um mimoso engano: que o mundo existe como um fato meu; que a vida é a imagem de ilusório véu, tecido por mim (fio) o mundo (pano).
Fio-me que penso e existo e assim sou algo; desfio meus véus, em busca de meu âmago, mas desconfio que apenas seja imago...
Meu sumo é um oco totem hamletiano. Do imane e ameno cenho, emana a senha: a senda é ser não sendo (ou seja eu sonho).
(de Fiat Breu)
Alexei Bueno publicou, entre outros livros, As Escadas da Torre, 1984, Poemas Gregos, 1985, Nuctemeron, 1987, A decomposição de J. S. Bach e Outros Poemas, 1989, Magnificat, 1990, O Aleijadinho, roteiro cinematográfico, 1991, A chama Inextinguível, 1992, Lucernário, 1993, A Via Estreita, 1995, A Juventude dos Deuses, 1996, Entusiasmo, 1997. Como editor da Nova Aguilar. organizou a Obra completa de Augusto dos Anjos, 1994, a Obra completa de Mário de Sá-Carneiro, 1995, a atualização da Obra completa de Cruz e Sousa, 1995, a Obra reunida de Olavo Bilac, 1996, a Poesia completa, de Jorge de Lima, a Obra completa, de Almada Negreiros, 1997, a Poesia e prosa completas de Gonçalves Dias, 1998, e a nova edição de Poesia completa e prosa, de Vinicius de Moraes, neste mesmo ano. Publicou também, pela Nova Fronteira, Grandes poemas do Romantismo brasileiro, 1994, e uma edição comentada de Os Lusíadas, 1996. Traduziu As quimeras, de Gérard de Nerval, editado pela Topbooks, também com edição portuguesa, bem como, pela Lacerda Editores, a primeira edição brasileira, prefaciada e anotada, da História Trágico-Marítima
Mais um poema de Alexei Bueno:
A FLORBELA ESPANCA
Amada, por que eu tive a tua voz
Depois que o Nada teve a tua boca?
A lua, em sua palidez de louca,
Brilha igual sobre mim, e sobre nós!...
Porém como estás longe, como o algoz
De um só golpe sem fim — a Morte — apouca
Os gritos dos que esperam, a ânsia rouca
Dos que atrás têm seu sonho, os grandes sós!
Aqui não brilha o mundo que engendraste
Como o manto de um deus, e astros sangrentos
Não nos rolam nas mãos da imensa haste.
E só estes olhos meus, que nunca viste, Se incendeiam, vitrais na noite atentos, Voltados para o chão aonde fugiste!
Marco Luchesi
fala de Alexei Bueno em sua crítica a Via Estreita
A Via Estreita de Alexei Bueno é uma obra-prima. Nem mais. Nem menos. Trata-se de um poema total. Como o de um Coleridge ou de um Hölderlin, das grandes elegias. Alta metafísica, como a de um Hopkins. Densa como a de um Betocchi. Ampla como a de um Khliébnikov. Apenas poesia. Eis a sua radicalidade. Apenas. Nada mais claro e mais misterioso, mais literal e mais alegórico, mais profundo e mais direto do que A Via Estreita. E por quê? Porque existe um momento na vida do filósofo em que ele "deixa de ser" filósofo. Assim aconteceu com o Bachelard noturno, o da Poética do Espaço (e aqui seu pensamento abriu fronteiras). O mesmo vale para o poeta. Penso no Jorge de Lima dos XIV alexandrinos e no Jorge de Lima da Invenção de Orfeu. Clique aquipara a continuar a leitura
Luís Antonio Cajazeira Ramos nasceu em 12 de agosto de 1956 em Salvador, onde ainda reside. Mantém vínculo com a UCSAL como professor. É funcionário do Banco Central do Brasil, membro da Ordem dos Advogados do Brasil, sócio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia e componente do conselho editorial de Iararana, revista de arte, crítica e literatura. Despertou para a poesia na idade adulta. Estreou com o livro Tudo Muito Pouco (Cruz das Almas, 1983), mas rasgou e queimou quase toda a edição, abandonando a poesia por uma década. Voltou a escrever intensamente em 1995. Re-estreou com Fiat Breu (Salvador: Edições Papel em Branco, 1996). Em seguida, lançou Como Se (Salvador: Letras da Bahia, 1999), menção honrosa no Prêmio Nacional Cruz e Sousa, da Fundação Catarinense de Cultura, em 1998; Temporal Temporal (Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2002), ganhador do Prêmio Nacional Gregório de Matos, da Academia de Letras da Bahia, em 2000; Mais que sempre (Rio de Janeiro: 7Letras, 2007) Seus críticos destacam “seu domínio da linguagem, sua sensibilidade lírica, seu trânsito entre o sublime e o profano, entre o erudito e o vulgar, sua expressão ao mesmo tempo clássica e contemporânea, seu humor entre o riso e o sarcasmo, sua predileção pelo soneto e pela subjetividade lírica, seu discurso que une clareza e complexidade, sua poética com luz própria e personalidade”. Para o crítico Aleilton Fonseca, sua “múltipla e inquieta poesia é rica em motivos e recursos, sendo ele um “poeta de vivências, de observação e de indagações existenciais”, cujos “temas são verdadeiros mergulhos da razão e do sentimento na essência e circunstâncias da vida”, com “riqueza semântica e metafórica, numa conformação de linguagem que sugere multíplices direções de leitura”, aberta ao “contínuo exercício de construir, lapidar e re-significar”, num “processo que é a força-motriz de sua criação”.
Mais um poema de Cajazeira Ramos:
LABIRINTO
Há dias em que chove (há dias chove assim) como se pétalas (ou mais que flores: flores!) lá do céu (além do Universo sem fim) lançassem pólen.
Quem joga sobre mim (a luz divina vive?) a chama (no fogo, Belzebu sobrevive?) do olhar (serei guru do apocalipse?) que no amor se anima?
Meus castelos de areia (sem cimento), com muralha de aléias (feita a vento), têm janelas pra dentro (porta afora).
(É melhor que me cale!) Digo mais: (será sonho ou verdade?) terei paz (tudo bem: tanto faz) se amar agora.
Alexei fala de Cajazeiraeira (sobre o Fiat Breu)
Luís Antonio Cajazeira Ramos, nos vivíssimos poemas de Fiat Breu, revela-se, acima de tudo, como um poeta das formas fixas. Não que não seja plenamente eficaz nos versos livres, que também existem no volume, mas é nas formas tradicionais, e sobretudo no soneto, que a sua verve, a sua dicção fortemente pessoal, melhor se revela. Continue lendo aqui
Cajazeira Ramos entrevista Alexei Bueno
Luís Antonio Cajazeira Ramos - Uma obra tão volumosa nessa pouca idade, você é poeta full time, compulsivo? Alexei Bueno - Não, de maneira alguma. Entre o final dos anos 70 até meados de 80, posso dizer que escrevi com certa regularidade. Depois disso, e cada vez mais, escrevo mais ou menos por crises, ou seja, quando implacavelmente baixa o santo, aquele momento - tradicionalmente chamado de inspiração, perfeitamente conhecido desde os gregos e negado pelos idiotas - em que todas as reservas emocionais e intelectuais há muito acumuladas, em latência, se reúnem para a eclosão de determinada obra de arte. De 90 a 91 não escrevi uma linha, o mesmo de 94 a 95. Não tenho qualquer compulsão, apenas certa angústia com a passagem do tempo. Termine de ler a entrevista aqui
Dudinha, em sua homenagem, a sua banda favorita. Nesta homenagem, incluo sua mãe de quem subtraí fotos de alguns trabalhos para a colagem que encima o post a você dedicado. No fundo, no fundo, vocês serão sempre minhas eternas garotinhas. Magaly
Uma colagem com trabalhos da artista plástica Elisa de Magalhães, um deles premiado no Salão de Curitiba no ano de 2.002 (fotos captadas por câmera pinlole)
Não quero que pareça vaidade de vó. Procuro me comportar dentro de um quadro de humildade, tanto quanto a humana condição mo permita. É que ganhei um presente da minha neta caçula, um presente inesperado, um conto, que me deixou extremamente jubilosa. Um conto com alguma densidade para uma garota de 15 anos.. Guardei-o na gaveta de minha mesa de trabalho, o mais perto possível de mim. Lá se vão quase cinco meses, desde o meu aniversário de oitenta anos. Inesperado, fato inesperado acontece! A gaveta torna-se pequena para contê-lo. Acreditem, ele toma todo o espaço livre da gaveta! Tenho que dá-lo à luz, liberá-lo para vocês, que mostraram recentemente que entendem e aceitam os arroubos das avós, principalmente daquelas que já se enquadram na categoria de longevas. Partilho, então, meu presente com vocês.
A Moça do 401
Eu morava em Botafogo, na rua Barão de Lucena, em um prédio com 18 andares, no apartamento 301. Aquela rua tinha uma série de prédios com a mesma estrutura e todos possuiam um nome de uma cidade de Minas Gerais; era Congonhas do Campo, Barbacena, São João Del Rei. Eu gostava de ficar na varanda, era pequena, de azulejo amarelo, grade marrom, nada de especial, mas eu ia lá todos os dias. Simplesmente gostava de ficar observando a rua e a calçada em frente, que parecia um espelho da calçada em que eu morava, pois ambas tinham prédios iguais, com nomes de cidades mineiras e varandinhas agradáveis. Um belo dia, eu comecei a reparar nas varandinhas do prédio em frente e deduzir a vida das pessoas; dei nomes, profissões, filosofias de vida; eram todos personagens. Foi quando eu percebi a moça do 401. Todos os das, ela ia para a varanda, por volta das sete horas da noite e andava de um lado para o outro em sua camisola branca, pensando, como se estivesse tomando decisões que mudariam a sua vida. Até que parava no canto da varandinha, olhava para baixo durante uns vinte minutos, depois continuava a andar de um lado para o outro, durante uma hora; e entrava. Não conseguia mais parar de pensar naquela moça, o que será que há com ela? Fui criando milhares de hipóteses absurdas, ou não. Eu, porém, nunca havia percebido que, na janela ao lado da varanda, estava sempre uma televisão ligada e a luz apagada.Presumi que outra pessoa morava com ela...marido? Filho? Empregada? Tudo passava pela minha cabeça. Eu tinha alguns amigos naquele prédio e, quando perguntava se eles já a tinham observado, me chamavam de louca (E quem não é?). Confesso que me senti um tanto insana, culpa deles, mas não deixei de observar a moça do 401, queria saber por que, por que ela fazia a mesma coisa todos os dias? Quem morava com ela? Eu não conseguia fazer dela um personagem, eu simplesmente precisava saber a verdade, era como um desvio, ela podia até tornar-se um personagem, mas de uma história verídica; e histórias com base em hipóteses não são tão verdadeiras assim. Lembro-me até hoje da data, 12 de abril de 1998, neste dia, eu recebi um bilhete escrito: “Obrigada, ass. Lúcia”; não entendi e guardei o bilhete em uma caixinha, esperando uma explicação. Às sete horas da noite deste mesmo dia, eu já estava na varanda, com meu bloquinho vermelho e um lápis, tentando desvendar o mistério da moça do 401. Ela entrou na varanda, andou de um lado para o outro, parou, olhou para baixo, olhou pela primeira vez para mim, com olhos profundos e cheios de lágrimas e pulou. Fiquei móvel, não conseguia gritar, chorar, me mexer, somente olhar. Uma gota de lágrima escorreu pelo meu rosto. Lúcia sempre soube que eu estava lá.
Não espero comentários elogiosos. Quero só que entrem nesta onda de euforia, nesta tendência em ver beleza nos gestos simples, no incipiente esforço por expressão própria, na abertura para o crescimento, para a Vida com seus mistérios, paixões e glórias.