Divulgar idéias próprias, combater o discurso invertido corrente, aprender a dividir, expor sentimentos,
trazer poesia ao dia-a-dia, eis a abrangente ação deste veículo de idéias. De tudo, um pouco - minha meta.
 

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30.8.05
 



Pássaro de Ademir Martins

ELAS...

Elas vêm de tal modo impregnadas de liberdade, elas surgem na vida com uma espontaneidade tão clara, com uma simplicidade tão límpida e definitiva em todos os seus gestos, em todas as suas atitudes, em todos os seus movimentos, que constituem um terrível escândalo neste cárcere em que nós outros já perdemos essas mesmas qualidades, que um dia foram também nossas, mas que adultos de então foram arrancando dolorosamente, gritando coisas que não entendíamos e que na verdade não têm existência digna de ser respeitada: interesses mesquinhos, conveniências, preconceitos, ilusões estreitas, com rótulos graves de moral e dever...
Elas não acreditam nessas palavras, não as compreendem, não as aceitam. Porque elas não precisam de obedecer a dogmas, para serem puras, pois já são a própria pureza; não precisam de palavras que escondam os defeitos, porque aparecem perfeitas; não precisam de nenhum artifício porque são apenas verdade.
Mas, como o peso do ambiente é mais forte que toda a tenacidade de sua heróica resistência infantil, assim mesmo sem acreditarem, sem compreenderem e sem aceitarem, elas são forçadas a sucumbir sob a imposição violenta, obstinada, constante, das razões do adulto, exercendo sobre elas, com toda a largueza dos seus instintos de domínio, uma tirania que, desgraçadamente se supõe apoiada na rigidez das virtudes e nos ditames das experiências que podem ter sido de uma geração, mas...certamente não vão ser mais das seguintes, -- porque a eternidade da vida tem esta coisa singular: não repete os seus aspectos...
Elas poderiam criar um mundo mais verdadeiro, mais puro, mais de acordo com o sentido primordial da natureza. Elas são a vida em princípio e, apesar de todas as heranças que já carreguem em si, chegam diante de nós como se não tivessem passado, como se fossem apenas esperança, como se tudo, depois delas nascesse também outra vez, livre, infinito, admirável.
Mas suas perguntas mais profundas têm respostas horríveis. Ou insignificantes ou mentirosas.
Suas manifestações mais espontâneas são recebidas com uma hostilidade inesperada e amarga.
Seus primeiros pensamentos são encaminhados por um rumo que é o dos lugares-comuns, velhos e tediosos como ruas escuras.
Seus primeiros sentimentos são limitados segundo medidas cautelosas de avareza.
Elas, que vêm repletas de possibilidades intermináveis, transbordando ritmos, riqueza, vibração, alegria, têm de viver dentro de um círculo, contra a mesquinha curva, do qual o mais leve atentado é um tremendo crime.
A vida delas é assim.
É assim a vida das crianças. Foi assim a nossa, e a dos nossos antepassados. E a dos nossos sucessores também há de ser igual, se não tivermos hoje, todos nós, que somos responsáveis por elas, este heroísmo de as defender contra os nossos próprios interesses, contra o nosso sossego, contra as nossas conveniências, contra a falsidade da nossa existência que esmaga impunemente a sua incomparável e admirável vida.

(Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 13 de junho de 1931)

Crônica de Cecília Meireles, do livro Crônicas de Educação I

Como vemos, Cecília, professora que era, esforçou-se na defesa de novos caminhos para a escola brasileira. Colocou nessa luta todo seu empenho de suas firmes convicções humanísticas. Sua contribuição neste sentido foi inestimável, valiosíssima.

O tema continua válido, pulsante, urgente. Podemos tomá-lo como bandeira e continuar a pregar e trabalhar em prol da Educação no Brasil.

Texto longo, vamos evitar um post longo demais. É preferível que haja tempo para digerir o pensamento da educadora.


Encerraremos rapidamente com um daqueles provérbios que foram explicados quanto ao significativo e ao histórico e está citado no livro Mas será o Benedito?, de Mário Prata:

Tá com a macaca

Significativo:
Está furioso.

Histórico:
A índia Bartira, filha de Tibiriçá, casou-se com Brás Cubas, fundador da cidade de Santos. Foi morar na casa dele e levou sua inseparável macaca. Quando brigavam, contam os historiadores, ela ia dormir com a macaca. Se alguém perguntava por ela para Braz Cubas, ele respondia: *Está com a macaca*
(Do livro Da fundação de Santos aos nossos dias, da pesquisadora da USP Carolina Aflalo)

Tem mais, tem mais, depois eu conto.


UPDATE (em 01/09/o5)

Uma notícia alvissareira:

A escritora Nélida Piñon acaba de ganhar o prêmio Jabuti com o livro Vozes do Deserto lançado em 2004. Ano brilhante, este de 2005, para a escritora que, em julho passado, teve a glória de receber o prêmio de Asturias. ( Foto acima)

Nossos entusiásticos parabéns, grande dama das letras.


publicado por Magaly Magalhães às 12:49 AM
20.8.05
 
Vista aérea de um ponto do Recreio.



Sabem de uma coisa?

VOU-ME EMBORA P´RA PASSÁRGADA

Vou-me embora p´ra Passárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora p´ra Passárgada

Vou-me embora p´ra Passárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei um burro brabo
Subirei no pau de sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe d´água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora p´ra Passárgada

Em Passárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora p´ra Passárgada.

Manuel Bandeira / Libertinagem

Que é que vocês acham?

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Hoje não tem jeito, estou com a alma vestida de poesia. E vocês chegaram a imaginar que eu tinha largado a caça aos poemas? Não conseguiria. Já faz parte do meu metabolismo. Que fazer se, de repente, a gente se depara com um POSTAL como este da Cecília Meireles? Resistir? Quem há-de?

POSTAL

Por cima de que jardim
duas pombinhas estão,
dizendo uma para outra:
"Amar, sim; querer-te, não?"

Por cima de que navios
duas gaivotas irão
gritando a ventos opostos:
"Sofres, sim; queixar-me, não?"

Em que lugar, em que mármores,
que aves tranqüilas virão
dizer à noite vazia:
"Morrer, sim; esquecer, não?"

E aquela rosa de cinza
que foi nosso coração,
como estará longe, e livre
de toda e qualquer canção!

Cecília Meireles / Flor de Poemas

Poema, um jeito de falar ao coração, com o coração.

Dá, ao menos, para descansar o espírito das ignomínias diárias que enfrentamos no momento, o país parado aguardando o desenrolar da cena política. Difícil de agüentar a carga. Ufa!

publicado por Magaly Magalhães às 11:17 PM
12.8.05
 
Sozinho

Para quem dedico *Sozinho*?


Quem não conhece a blogueira simpática, accessível, bem-humorada que cativa a gente com seu blog cheio de recursos especiais, com larga abrangência de matéria, atraindo o interesse de leitores de diferentes perfis?
Helenice Dias, ela mesma, já reconhecida pelo Mestre Gravatá e, recentemente, pela Revista Viva de onde provém esta foto estampada com a entrevista que lhe foi feita.
Quando cheguei ao mundo dos blogs, encantei-me com as imagens animadas do Divagando, como a de um relógio dançante que percorria graciosamente a página que continha de tudo um pouco, de dicas de utilidades a piadas impagáveis, de noticiário corrente a poemas e artes. Uma graça. A timidez ou, talvez, o vexame de me mostrar ignorante das mínimas coisas não permitia que eu me aproximasse para pedir qualquer ajuda. Aos poucos, estabelecemos comunicação através dos comentários dos posts e dos e-mails. Já amigas agora e me sentindo dentro do espírito do mundo dos blogs, precisei recentemente da ajuda de Helenice. Ela é a cordialidade, a receptvidade, a dedicação em forma de pessoa. Não mediu esforços em me fornecer as informações de que eu precisava no momento, mesmo tendo que deixar de lado tarefas com prazo previsto.
Não esqueço gestos como este, Helenice, e meu propósito hoje é agradecer-lhe carinhosamente a delicadeza e demonstração de espírito de parceria. Obrigada, amiga, obrigada.


***********************************************************

Grupo CORPO de dança


O CORPO estreou ontem, na capital paulista, o balé ONKOTÔ, coreografia com trilha sonora de Caetano Veloso e José Miguel Wisnik.


A mais recente coreografia do balé do Corpo criada para a comemoração dos 30 anos de atividade do grupo: um balé com contornos metafísicos que deve seu nome singular a uma das três indagações existenciais: *Onde que eu estou* transfigurado mineirissimamente na corruptela Onqotô. As duas outras indagações *Para onde que eu vou* e *Quem que eu sou* passaram respectivamente a *Pronqovõ* e *Quemqosô*
A genialidade dos dois músicos produziu a belíssima canção:

MADRE DEUS

Frente às estrelas
costas contra a madeira
no ancoradouro
de Madre Deus
meus olhos vão
com elas
no vão
meu corpo todo desmede-se
despede-se de si
descola-se do então
do onde
longe do longe
some o limite
entre o chão e o não
frente ao infindo
costas contra o planeta
já sou a seta
sem direção
instintos e sentidos
extintos
mas sei-me indo
e as coisas findas
muito mais que lindas
essas ficarão
dizia
a poesia
e agora nada
não mais nada não



Onqotô estará no Rio entre 31 de agosto e 5 de setembro, seguindo depois em turnê para os EEUU e Europa.

Como diz Hugo Sukman em seu artigo em O Globo ( 10/08), *Onqotô é uma conspiração musical e poética*, uma mistura de referências das duas culturas. Seu tema tem *a abrangência do Universo e o tamanho da perplexidade do Homem diante da imensidão".

publicado por Magaly Magalhães às 10:21 AM
4.8.05
 



Dois nomes, duas razões, duas homenagens. Meus filhos Estêvão e André. Entre eles onze anos e meio, tempo divisor de gerações que, no caso deles, não foi razão para afastar um do outro. Amigos, muito amigos, durante o tempo em que conviveram, André, hoje dedicado à música, violonista, compositor, fizera um dia uma homenagem ao irmão mais velho, dedicando-lhe um chorinho que canta a paixão que ele devotava ao Botafogo.

Estêvão, que não está mais entre nós, faria hoje 53 anos. Nada mais oportuno do que trazer para meus amigos da rede, da qual ele também fazia parte, a música que seu irmão lhe oferecera ainda em vida. É o carinho que me é dado fazer a entes tão amados.

A alegria sempre reinou no ambiente familiar onde dois casais de filhos, de idades distanciadas, enchiam o ambiente de brincadeiras, cantorias e de amigos de todas as idades que perambulavam da porta da rua ao quintal, em saborosa liberdade.

Este, o cenário em que curtiram a infância os meus filhos, sobrinhos e crianças da vizinhança - uma casa antiga, pelo visto, acolhedora, que parecia funcionar como playground do quarteirão, no bairro de Grajaú.

Isto representou para Estevão o grande pilar que o suportou em fases menos felizes de sua vida, da adolescência à idade madura: aquela bendita infância, aquela radiosa lembrança que o acompanhou até o limite que lhe coube aqui, na Terra.

André, com sua sensibilidade de artista, soube intuir e condensou no chorinho que ouvimos agora o ponto alto das paixões do irmão Pardal, o veloz, leve e livre pardal sob o azul do céu de Grajaú : a sua irresistível paixão pelo time alvi-negro.


Esta apresentação musical só foi possível com o esforço de minha dileta e fiel amiga Meg a quem estou extremamente agradecida.

A Francisco Pires, aquele que foi nosso companheiro de blog, o Xico, agradeço a solução de problemas técnicos. Aliás, sua empresa, a Tecnomundo tem atendimento perfeito.

publicado por Magaly Magalhães às 7:00 AM