Divulgar idéias próprias, combater o discurso invertido corrente, aprender a dividir, expor sentimentos,
trazer poesia ao dia-a-dia, eis a abrangente ação deste veículo de idéias. De tudo, um pouco - minha meta.
 

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28.2.04
 



Marine Scene
Eugene Boudin
www.wholesaleoilpainting.com

publicado por Magaly Magalhães às 1:53 AM

 
Vocês sabem quem é a poetisa do momento em Portugal? Já ouviram falar de Adília Lopes? E de Maria José da Silva Viana Fidalgo de Oliveira?

Os dois nomes são a mesma pessoa. Na palavra da própria poetisa “a Adília Lopes é água no estado gasoso, a Maria José é a mesma água no estado sólido”. Portuguesa, lisboeta, poetisa, lingüista, física, bibliotecária, documentalista, sua poesia, feita com poucos adjetivos, concede muita atenção às pequenas coisas e às aparentemente menos dignas. É uma poesia atenta aos incidentes do quotidiano.
Ao lhe perguntarem numa entrevista se ela seria uma poetisa pop ou conceptual, ela responde: “As duas coisas. O pop é conceptual e há físicos que atribuem cores às equações. Sou sinestésica como todos os poetas”.
Para sintetizar, sua poesia é satírica, mas é também lírica. Sente-se no que Adília escreve “uma grande carga de violência, de dor, de seriedade e de santidade.”

Foi “Clarissa” de Érico Veríssimo, descoberta aos dez anos, a porta por onde Adília entrou na literatura.



O texto abaixo está na revista Inimigo Rumor, nº10 de maio de 2001:

Adília Lopes

O poeta de Pondichéry


Diderot (ou quem fala por ele em Jacques le Fataliste) recebe um jovem que escreve versos. Acha os versos maus e diz ao jovem que ele há-de fazer sempre maus versos. Diderot preocupa-se com a fortuna do mau poeta. Pergunta-lhe se tem pais e o que fazem. Os pais são joalheiros. Aconselha-o a partir para Pondichéry e a enriquecer lá. E a que sobretudo não publique os versos. Doze anos mais tarde o poeta volta a encontrar-se com Diderot. Enriqueceu em Pondichéry (juntou 100.000 francos) e continua a escrever maus versos.

Por que é que o mau poeta deve ir para Pondichéry e não para outro lugar Por que é que seus pais são joalheiros? Por que é que juntou 100.000 francos? E por que é que passou doze anos em Pondichéry? Não sei explicar. O que me atrai é precisamente isto: Pondichéry, pais joalheiros, 100.000 francos, doze anos.

10.II.1986

1
Para quê sacrificar uma página em branco?
se ainda se escrevesse em peles de bezerros recém-nascidos
atrevia-me a sacrificar bezerros recém-nascidos?
acho que sim

2
Vou dedicar todos os meus poemas a Diderot
escrevo só À Denis
ele sabe que é esse Denis
eu também
as outras pessoas não
não há embaraços

3
Se não tivesse conhecido Diderot
dizia hoje coisas diferentes das que digo hoje
devo-lhe a minha fortuna e o meu desgosto

4
Mercurocromo bofetadas café com leite ópio
toda uma vida em vista de um poema
de que Diderot não gosta

publicado por Magaly Magalhães às 1:08 AM
25.2.04
 



Entrada da baía de Guanabara

publicado por Magaly Magalhães às 1:01 AM

 
Sair do carnaval para retomar o trabalho diário é um processo que demanda um pouco de esforço. Quem sabe uma estória engraçada ou uma crítica bem humorada, uma piada que seja para servir de ponte entre uma coisa e outra tornaria esse passo menos difícil?

Acabei de receber por e-mail. (Não tenho idéia se é piada nova ou se já está rolando há algum tempo):


COMÉDIA CORPORATIVA


Foi tudo muito rápido. O executivo bem-sucedido sentiu uma pontada no peito, vacilou, cambaleou, deu um gemido e apagou.
Quando voltou a abrir os olhos, viu-se diante de um imenso portal. Ainda meio zonzo, atravessou-o e deu de cara com uma miríade de pessoas, todas vestindo cândidos camisolões e caminhando despreocupadas. Sem entender bem o que estava acontecendo, o executivo bem-sucedido abordou um dos passantes:
- Enfermeiro, eu preciso voltar urgente para meu escritório porque tenho um meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazido para cá por engano porque meu convênio médico é classe A, e isto aqui está me parecendo mais um pronto-socorro. Onde é que nós estamos?
- No céu.
- No céu???
- É.
- Tipo o quê, por exemplo? Tipo assim, céu? O céu, aquele? Com querubins voando e coisas do gênero? Que é isso, amigo, você está com gozação?
- Aquele mesmo. Aqui todos vivemos em estado de gozo permanente.
Apesar das óbvias evidências (nenhuma poluição, todo mundo sorrindo, ninguém usando telefone celular), o executivo bem-sucedido custou um pouco a admitir que havia mesmo apitado na curva.
Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis Técnicas Avançadas de Negociação, de que aquela situação era inaceitável. Porque, ponderou, dali a uma semana ele iria receber o bônus anual, além de estar fortemente cotado para assumir a posição de vice-presidente na empresa.
- E foi aí que o interlocutor sugeriu:
- Talvez seja melhor você conversar com São Pedro, o síndico.
- E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária?
- Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece.
- Assim? (...)
- Pois não?
O executivo bem-sucedido quase desaba da nuvem. À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro.
Mas o executivo havia feito um curso intensivo de "Approach para Situações Inesperadas" e reagiu rapidinho:
- Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou um executivo bem-sucedido e...
- Executivo... Que palavra estranha. De que século você veio?
- Do 21. O distinto vai me dizer que não conhece o termo "executivo"?
- Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo. Foi então que o executivo bem-sucedido teve um insight. A máxima autoridade ali, no paraíso, aparentava ser um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, o executivo poderia rapidamente assumir uma posição hierárquica, por assim dizer, celestial na organização.
- Sabe, meu caro Pedro, se você me permite, eu gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para esse povo todo aí, só batendo papo e andando à toa, para perceber que aqui, no Paraíso, há enormes oportunidades para dar um upgrade na produtividade sistêmica.
- É mesmo?
- Pode acreditar porque tenho PhD em Reengenharia. Por exemplo, não vejo
ninguém usando crachá. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz
o quê?
- Ah, não sabemos.
- Headcount, então, não deve constar em nenhum versículo, correto?
- Hã...?
- Entendeu o meu ponto? Sem controle, há dispersão. E dispersão gera desmotivação. Com o tempo, isto aqui vai acabar virando uma anarquia. Mas nós dois podemos consertar tudo isso rapidinho, implementando um simples programa de targets individuais e avaliação de performance.
- Que interessante...
- Depois, mais no médio prazo, assim que os fundamentos estiverem sólidos e o pessoal começar a reclamar da pressão e a ficar estressado, a gente acalma a galera bolando um sistema de stock options, com uma campanha motivacional impactante, tipo "O céu é seu".
- Fantástico!
- É claro que, antes de mais nada, precisaríamos de uma hierarquização e de
um organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis
psicológicos não consigam resolver. Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar a definir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas factíveis de leverage maximizando, dessa forma, o retorno do investimento do Grande Acionista...Ele existe, certo?
- Sobre todas as coisas.
- Ótimo. O passo seguinte seria partir para um downsizing progressivo, encontrar sinergias hi-tech, redigir manuais de procedimento, definir o marketing mix e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de alto valor agregado. O mercado esotérico, por exemplo, me parece extremamente atrativo.
- Incrível!
- É obvio que, para conseguir tudo isso, nós dois teremos que nomear um
board de altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro. Coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits e mordomias de praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenho certeza de que você vai concordar comigo, Pedrão.
O desafio que temos pela frente vai resultar em um turn-around radical.
- Impressionante!
- Isso significa que podemos partir para a implementação?
- Não. Significa que você terá muito futuro em nosso concorrente. Porque
você acaba de descrever, exatamente, como funciona o Inferno.
- Hum?
- Deus lhe dê Paz, Saúde, Alegria e Amor!
E... vupt!

Max Gehringer


**************************


Pra não perder o hábito, versos.

TEMPO: SAÍDA & ENTRADA

No tempo de minha avó, meu feijão era mais sério.
Havia um ou dois óculos
me espiando atrás
de molduras roídas.
Mas eu era feliz,
dentro da criança
o outono dançava
enquanto pulgas vadias
dividiam os óculos.

Dentro da criança,
as pulgas espiavam
o outono vazio,
dividiam minhas molduras
roídas por óculos vadios.
No tempo do meu feijão
minha avó era mais séria.


VER

O dia. Arcos da manhã
em nuvem. Riscos de luz
como vidros arriados.

O claro.
A praia armada
entre a sintaxe do verde.

Áreas do ar. Aves
navegando as lajes
do azul.

Poemas de Antonio Carlos Secchin

publicado por Magaly Magalhães às 12:30 AM
21.2.04
 
http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br

publicado por Magaly Magalhães às 1:15 PM

 
É Carnaval!
Não brinco o carnaval, nem mesmo assisto a suas manifestações pela televisão. Aproveito os dias para pôr em ordem gavetas, livros, computador etc, mas torço pra que haja bom tempo, sol, ventinho suave, e os foliões possam aproveitar os dias de festa liberando com música, dança, exibição gratuita seus problemas e dissabores da vida comum.

A propósito, é interessante saber o que antropólogos, escritores, artistas, carnavalescos pensam sobre o carnaval nesta época de globalização.
Tomemos um intelectual da categoria do poeta Ferreira Gullar que nos chama a atenção para a antropofagia na globalização do carnaval. Ele diz que a pulsão antropofágica, apesar de universal assume, no Brasil, um caráter permanente, único na História.
Em entrevista realizada pelo jornal O Globo, em 2002, Gullar diz :”O Brasil é um país interessante porque sempre consegue transformar o que absorve em algo original. Isto é antropofágico. A antropofagia não existiu como estilo, como produto acabado...” “Mas ela é natural de todas as sociedades. A arte grega vem da egípcia, a romana vem da grega. Ocorre que, no Brasil, é curioso, porque acontece muitas vezes ao longo da História.”
Tentando exemplificar a digestão antropofágica, ele afirmou que “primeiro era o pessoal da Zona Sul que se misturava nas escolas, e a gente dizia: tem branco no samba. Agora, importamos louras suecas e as devolvemos como mulatas passistas, que vêm aprender o samba na escola”.
Sugerido pelo entrevistador, o jornalista Arnaldo Bloch, isso equivale a dizer que há um imperialismo sambístico brasileiro ao que Gullar reponde: ”Isso! Na verdade, neste mundo altamente globalizado, uma metrópole como o Rio preservar um tipo de manifestação como as escolas é impressionante. Não há exemplo em nenhuma metrópole do mundo. A tendência da metrópole é limitar tudo que é primitivo na sua origem cultural. E aqui é algo que funciona o ano inteiro!. Não sei até quando vai durar. Talvez essa mescla seja o princípio do fim. Mas pode também ser um sinal de vitalidade.”

Estas afirmações são de uma entrevista de Ferreira Gullar para O Globo, em 10/02/02.


Que tal agora um samba-enredo do Carnaval 2004?

Pediu pra pará, parou! Com a Viradouro eu vou. Pro Círio de Nazaré

No mês de outubro, em Belém do Pará,
São dias de alegria e muita fé
Começo com extensa romaria matinal
O Círio de Nazaré
Que maravilha a procissão, e como é linda
A santa em sua berlinda
E o romeiro, a implorar
Pedindo à dona em oração pra lhe ajudar
Oh, virgem santa, olhai por nós
Olhai por nós, oh, virgem santa,
Pois precisamos de paz.
Em torno da matriz
As barraquinhas com seus pregoeiros
Moças e senhoras do lugar
Três vestidos fazem para se apresentar
Tem o circo dos horrores
Berro-boi, roda gigante
As crianças se divertem
Em seu mundo fascinante
E o vendeiro de iguarias a pronunciar
Comidas típicas do Estado do Pará
Tem pato no tucupi, muçuã e tacacá
Maniçoba e tucumã, açaí e aluá

(De Dário Marciano, Nilo Mendes [Esmera] e Aderbal Moreira.
Intérprete: Dominguinhos do Estácio


Até depois do Carnaval e divirtam-se! Cada qual a seu gosto!

publicado por Magaly Magalhães às 11:23 AM
17.2.04
 
http://www.wholesaleoilpainting.com

Ballerine de Rosa
Oil Painting de E. Degas

publicado por Magaly Magalhães às 12:47 AM

 
EU, PENSANDO...

Às vezes, penso inteiro, claramente, sem tropeços, como um carretel que libera seu conteúdo ao mais leve estímulo recebido.
Às vezes, o pensamento parece preso, contido, como se uma concha o retivesse inexoravelmente em seu interior. Que dificuldade para liberá-lo, nem sempre inteiramente, e com dor, com sofrimento.
Hoje? Barreiras despencam e dificultam a passagem. Sensação de insucesso por uma assimilação que não se completou ainda, ausência dorida, renitente...



Nem só de saudade a gente vive. Há alegrias que vêm em compensação. Dois netos ingressam na faculdade de medicina. Como tantos que tiveram esta mesma satisfação, eu estou feliz e peço aos céus que esses rapazes e moças mantenham o clima de ardor e entusiasmo que os levaram a realizar essa primeira conquista.


PERGUNTA


Estes meus tristes pensamentos
vieram de estrelas desfolhadas
pela boca brusca dos ventos?

Nasceram das encruzilhadas,
onde os espíritos defuntos
põem no presente horas passadas?

Originaram-se de assuntos
pelo raciocínio dispersos
e depois na saudade juntos?

Subiram de mundos submersos
em mares, túmulos ou almas,
em música, em mármore, em versos?

Cairiam das noites calmas,
dos caminhos dos luares lisos,
em que o sono abre mansas palmas?

Provêm de fatos indecisos,
acontecidos entre brumas,
na era de extintos paraísos?

Ou de algum cenário de espumas,
onde as almas deslizam frias,
sem aspirações mais nenhumas?

Ou de ardentes e inúteis dias,
com figuras alucinadas
por desejos e covardias?...

Foram as estátuas paradas
em roda da água do jardim...?
Foram as luzes apagadas?

Ou serão feitos só de mim,
estes meus tristes pensamentos
que bóiam como peixes lentos

num rio de tédio sem fim?



LEVEZA


Leve é o pássaro:
e sua sombra voante,
mais leve.

E a cascata aérea
de sua garganta,
mais leve.

E o que lembra, ouvindo-se
deslizar seu canto,
mais leve.

E o desejo rápido
desse antigo instante,
mais leve.

E a fuga invisível
do amargo passante,
mais leve.


Os dois poemas são de Cecília Meireles
Que lindeza!

publicado por Magaly Magalhães às 12:13 AM
11.2.04
 
ATENção!

Corrigindo uma distração no 2º módulo do post anterior.

Em Paulo Leminski leiam, antes do pensamento que está escrito em francês, estes dois outros:

la vie en close
c´est une autre chose


c´est lui
c´est moi
c´est ça


Só quando havia terminado post é que achei esse dois outros. Encontram-se na capa do livro P. Leminski da Editora Brasiliense


Peço desculpas.

publicado por Magaly Magalhães às 3:43 PM
10.2.04
 
www.wholesaleoilpainting.com



Levar del sole, de Claude Monet

publicado por Magaly Magalhães às 11:44 PM

 
A maresia oxida os sentimentos"
"...há um tipo muito especial de sentimento entre as pessoas que não têm a necessidade de quebrar silêncios."

Ana Maria Gonçalves


"Já chamei Dna. Inocência de Dna. Cândida, César de Augusto e Maria das Dores de Maria do Socorro. Não tô brincando não. Que eu me lembre, só nunca chamei urubu de meu lôro - assim, literalmente, bem entendido."

Cláudia Letti


"... Harry é o típico protagonista dum livro infantil britânico. Órfão de pai e mãe, bonzinho, criado por tios maus e com um primo de sua idade, mimado e infernal."

Pedro Doria


"Toda pessoa, sem dúvida, é um exemplo único, um acontecimento que não se repete. Mas poucas pessoas, talvez nenhuma, lembram essa verdade com tamanha força como João Guimarães Rosa."

Paulo Rónai


"E o dilema é muito explícito: devo ou não manter esses ícones de fé católica como tal, sendo eu tão pouco católico? Descendo ao porão pragmatista da barganha - marca da maioria dos atos ditos de fé: terá algum efeito essa devoção meia-goma?"

Erazê Martinho


Hum! Como atiçam a curiosidade!

Querem saber como encontar o artigo ao qual cada dessas citações pertence?

Cliquem aqui e procurem em arquivos.


~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~


Às voltas com Paulo Leminski: "c´est la vie des choses qui n´ont pas um autre choix".


estrela cadente eu olho
o céu partiu
para uma carreira solo


fruto suspenso
a que susto
pertenço?


sobressalto
esse desenho abstrato
minha sombra no asfalto


esta vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem


longo o caminho
até uma flor
só de espinho


arisco aço
a partir de ti refaço
uma alma em pedaços


o dia é um escombro
o vôo das pombas
sobre as próprias sombras


inverno
é tudo o que sinto
viver
é sucinto


primavera de problemas
a luz das flores grandes
assombra as flores pequenas


muito romântico
meu ponto pacífico
fica no atlântico


believe or not
this very if
is everything you got


chove no orvalho
a chave na porta
como uma flor no galho

publicado por Magaly Magalhães às 11:14 PM
6.2.04
 



Faça-se a luz

publicado por Magaly Magalhães às 9:22 PM

 
Estou aqui, agora, por um motivo muito especial. Uma amiga alagoana, da cidade de Arapiraca, sensível poeta e inspirada criadora de belas telas faz o lançamento de seu livro de poesias. Trata-se da já conhecida na Internet, através de alguns sites de poesia, Lêda Yara Motta Mello, e conhecida também aqui entre meus leitores, que, de vez em quando, recebem um poema saidinho do forno, tal qual ela me manda.
A Noite de autógrafos será hoje, em sua cidade natal. O livro - Meus Sonhos - reproduz na capa uma de suas telas, intitulada Faça-se a Luz.
Criadora versátil, ela passeia por todas as sendas da poesia, indo de versos ingênuos a contundentes versos de denúncia; da sensualidade à mais pura fé; e ainda nos brinda com poemas em linguagem inculta, "matuta", com uma graça inimitável.
Esperamos seu livro, Leda, amorosamente e esteja certa de que já
estamos dizendo:
Bem-vindos sejam os seus sonhos.

Assim é que, com muita alegria e entusiasmo, deixo aqui dois de seus poemas: o poema com que ela inicia o livro e o poema com que o finaliza.


MEUS SONHOS

Meus sonhos não morrem. São parte de mim.
Retalhos de vida, marcando um tempo.
Constelações que vislumbro
no dorso do cavalo alado da esperança,
percorrendo caminhos, idealizando um amor,
escutando, na alma, um acalanto de espera,
antecipando o futuro, com sabor de presente
que degusto, mansamente,
na ante-sala do gozo das realizações plenas.


Meus sonhos não morrem. São fragmentos de alma.
São a brisa do mar refrescando o meu espírito,
a correnteza caudalosa que me impulsiona para a vida,
a relva macia em que repousa o meu cansaço.
Meus caminhos de ir, às vezes de chegar.

Meus sonhos não morrem. São sementes de vida.
Há os sonhos que germinam, florescem
e produzem os frutos que alimentam a minha história.
Abençoados sejam os sonhos que frutificam!
São os que irradiam para o universo
o sorriso e a alegria do colorido da vida.


Meus sonhos não morrem. São regaços que abrigam.
Há os sonhos que, apesar da fé e da persistência,
não conseguem eclodir para o real.
Nasceram para preencher lacunas de solidão,
adoçar com mel o amargor dos combates perdidos,
repousar o cansaço da alma inquieta.
Abençoados sejam os sonhos que não eclodem!
São anjos de candura que nos embalam
quando a aridez da vida
apresenta o seu cartão de visita.

Meus sonhos na morrem.
Integram-se no universo.
Os sonhos não vividos
liberto-os, para que abençoem outras vidas.
Um último afago, um pensar de saudades,
um brilho de lágrima, um aceno de adeus...
Voam para o infinito, nos braços da esperança
até confundirem-se, suavemente,
com as últimas luzes de um pôr de sol.



REALIDADE OU SONHO?
Sim, eu te amo, disso tens certeza
O mesmo amor que conheceste um dia
Completo, pleno e cheio de alegria.
Difere, apenas, no tom de tristeza


Pela saudade que de tão antiga
Já nem dói tanto, como em anuência
Por tua escolha em se fazer ausência,
Por me levares a presença amiga.


Devagar a bruma envolve o teu olhar
O teu sorriso, o jeito de falar,
Nossas lembranças de um tempo risonho...


Imagens tão vagas, no meu recordar
Que, às vezes, chego a me perguntar
Se foi real ou se foi tudo um sonho.



Vamos dar parabéns à Leda?

publicado por Magaly Magalhães às 6:04 PM
5.2.04
 




Marc Chagall, Lilies do the Valley, 1916. Oil on canvas
http://www.russianavantgard.com...

publicado por Magaly Magalhães às 3:28 PM

 
Mais uma escritora que nos deixa...

HILDA HILST - poeta, dramaturga, ficcionista. Faleceu na madrugada dia 4 de janeiro, em Campinas/SP, aos 73 anos de idade, cinqüenta e dois dos quais dedicados à literatura.

Achei a notícia aqui, num elucidativo texto, onde vamos encontrar, além de dados biográficos, informações preciosas sobre a obra de Hilda e sua repercussão aqui, no Brasil, e no exterior.

Hilda não foi uma autora muito prestigiada pelo público, mas, nos meios literários, seu valor foi reconhecido desde cedo e alguns de seus livros vieram a ser traduzidos para o francês, inglês, italiano e alemão. Os sete prêmios literários que conquistou são uma prova evidente da força de sua palavra, da profundidade de sua obra.

Prêmios alcançados:

Em 1962, o Prêmio PEN Clube de São Paulo, por "Sete Cantos do Poeta para o Anjo" (Massao Ohno Editor, 1962).

Em 1969, pela peça "O Verdugo", o Prêmio Anchieta, um dos mais importantes do país na época.

Em 1977, a Associação Paulista dos Críticos de Arte - Prêmio APCA - elege "Ficções" (Edições Quéron, 1977) o melhor livro do ano.

Em 1981, o Grande Prêmio da Crítica para o Conjunto da Obra, pela mesma APCA.

Em 1984, a Câmara Brasileira do Livro concede o Prêmio Jabuti a "Cantares de Perda e Predileção" (Massao Ohno - M. Lydia Pires e Albuquerque editores, 1983).

Em 1985, a mesma obra recebe o Prêmio Cassiano Ricardo (Clube de Poesia de São Paulo).

Em 1993, "Rútilo Nada" (editora Pontes) arrebata o Prêmio Jabuti como melhor conto.



Hilda foi uma mulher preocupada com a imortalidade da alma e vivia estudando
Física, Filosofia e Matemática para deixar de considerar só lado metafísico e conseguir provar suas teses cientificamente.
Não foi levada a sério.



Sobre o valor de Hilda Hilst, manifestaram-se:

CAIO FERNANDO ABREU: "Eu nunca conheci uma escritora tão tomada pela paixão da palavra como a Hilda. Ela é bárbara."

CLAUDIO FRAGATA: "Deus, a paixão e a morte. Estes são os três temas sobre os quais a escritora paulista construiu uma das mais intrigantes obras da literatura mundial".

J. L. MORA FUENTES: (...) "Hilda Hilst pertence ao patamar dos grandes artistas, cuja essencialidade nos impõe o dever de preservar todos seus escritos. Não é surpresa, portanto, que a Unicamp tenha comprado, recentemente, seu arquivo particular. Da mesma forma, ao editar a totalidade das crônicas, a editora Nankin não apenas respeitou a vontade da autora, mas beneficiou o leitor com esse registro permanente. Sábia de requintes que nos permitem avançar no pouco-nada que intuímos de nós mesmos, Hilda desmascara sem pudor, seja com cascos, suaves garras, ríspidas carícias, nossos mais preciosos ícones. E assim revela nosso rosto verdadeiro."

ANTÔNIO OLINTO: (...) "Estamos ingressando num período de pós-modernidade na poesia brasileira? Ou ele já veio, disse ao que veio, e sumiu, sem que o notássemos? Se a palavra "modernidade" não pode, segundo inúmeros tratadistas, ser definida com precisão, a "pós-modernidade" o seria ainda menos. Vejo, contudo, no riquíssimo panorama da poesia brasileira deste momento, uma representante da mais desabrida e forte pós-modernidade. Falo de Hilda Hilst, cujo livro "Do Amor", agora publicado, é de uma perfeita adequação ao desejo, normal numa poesia liberta, de ir além do que foi feito antes e chegar à conquista de um verso inconfundivelmente original."

.
Pra homenageá-la, uma de suas composições poéticas:


POESIA XXII

Não me procures ali
Onde os vivos visitam
Os chamados mortos.
Procura-me
Dentro das grandes
águas
Nas praias
Num fogoso coração
Entre cavalos, cães,
Nos arrozais, no arroio
Ou junto aos pássaros
Ou espelhada
Num outro alguém,
Subindo um duro
caminho

Pedra, semente, sal
Passos da vida.
Procura-me ali.

publicado por Magaly Magalhães às 11:21 AM
1.2.04
 

publicado por Magaly Magalhães às 6:05 PM

 
Estamos novamente com novidades imperdíveis no Imagens & Palavras. Ninguém, em sã consciência, pode perder textos tão elucidativos, como esses escolhidos por Meg, para compor a lista de artigos oferecidos à comunidade blogueira.

Para tornar sempre lembrada a recomendação já feita e repetida aqui, algumas vezes, quero explicar que o Imagens & Palavras é parte do blogue original de Meg - o muito bem conceituado SubRosa (http://www.meguimaraes.com/subrosa) que tantas emoções tem causado ao mundo blogueiro em atividade.

O acesso ao Imagens & Palavras é muito simples. Há o banner correspondente no próprio blogue da Meg , o que é óbvio; aqui, neste, em que teclo agora e em muitos outros que já se aliaram a esta boa fonte de informação e conhecimento. É só clicar.

No I&P, há exibido sempre um tema capaz de abalar a nossa atenção, isto quando não estão as historinhas curtas que fizeram o sucesso do Concurso de Narrativas Breves Haroldo Maranhão (e ainda há muitos finalistas a serem publicados).

Hoje, vou trazer aqui a página com que Meg abriu o ARQUIVO em IMAGENS & PALAVRAS


SUBROSA EM PROSA

Uma seleção dos melhores textos e imagens que tenho visto na Web desde que comecei o Sub Rosa. Este espaço é nosso. É de todos, tal qual o SubRosa. Peço que - se puderem e quiserem - comentem os textos apresentados.
Um abraço a todos.
Meg Guimarães.

Carlito Maia e traduções

A História do Brasil não passa de uma seqüência de erros de traduçã o. Muitas vezes, erros crassos. Um exemplo? Muito fácil. Há pouco mais de 30 anos, os americanos tinham lá um (bom) slogan patrioteiro: ''America: love it or leave it''. Pois bem, a ditadura militar no Brasil resolveu transpô-lo para o trópico : "Brasil, ame-o ou deixe-o". Pode haver prosódia mais abominável? O erro de tradução é acintoso Não, o erro não está no sentido literal da estultice, mas na sonoridade bovina da frase abrasileirada. O que soa bem em inglês, range feito um mugido em português. ''Ame-o ou deixe-o.'' Ninguém fala desse jeito, só dubladores (que em filmes de cowboy gritam barbaridades como ''Peguem-no! Não o deixem escapar!''). ''Ame-o ou deixe-o''... Parece um desses exercícios que a gente faz quando vai a uma fonoaudióloga, fazendo com o maxilar o mesmo movimento circular das vacas quando ruminam. E olhe que poderia ter sido pior. Se os militares tivessem convocado um publicitário, a coisa talvez saísse na linha criativa. Já imaginou o desastre? Como estamos aqui às voltas com imagens pecuárias, uma possível tradução ''criativa'' me assalta a imaginação: ''Brasil, ou você ama ou desmama''. Blergh... Ou: ''Brasil, ou você adora ou você cai fora''. Sim, eu sei, piorou. Vai ver que foi por isso que deixaram aquele ''amiuoudeixiu'' literal mesmo. Parece incrível, mas o vexame foi menor. Foi apenas mais um caso de erro de tradução. Erro de contexto. Idéias fora de lugar, diria Roberto Schwarz. Slogans fora de lugar, isto sim. A nossa bandeira nacional também tem lá, bem no centro, o seu slogan fora de lugar. ''Ordem e progresso'', como se sabe, é um lema importado, traduzido e censurado. Veio da Igreja Positiva, inventada por Auguste Comte, cujo mote era: ''Amor, ordem e progresso''. Eu não sabia disso até que, um dia, Carlito Maia me contou. Ele queria que a palavra ''amor'' entrasse na bandeira do Brasil. Ele tinha toda razzo. Seria mais justo, mais íntegro e mais amoroso se assim fosse. Dizendo o nome de Carlito Maia eu, finalmente, chego a quem me leva a escrever este artigo. Esse quem ? Carlito Maia, que sempre defendeu o amor antes da ordem e muito antes da promessa de progresso. Carlito, que me ensinou a transformar o amargor numa risada. Que, rindo da autoridade, libertava a inteligência. Carlito morreu no sábado, no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo. Tinha 78 anos. Seu corpo sucumbiu a uma ''doença degenerativa crônica'', no dizer dos médicos. Sua atitude não sucumbiu. No caixão, com bolinhas de algodão no nariz e a boca entreaberta, velhinho e magrinho que só, estava rindo. Rindo para mim e rindo de mim, um pobre jornalista que critica os publicitários. E rindo com razão: Carlito, um publicitário, me deu muita lição de jornalismo. Foi um gênio, mas isso não importa. Suas frases curtíssimas, seus achados brilhantes, ainda que publicitários, desenharam em parte a fisionomia da cultura brasileira recente. Foi ele quem batizou a Jovem Guarda de Jovem Guarda. Melhor que isso: ele me contou, já faz tempo, que tirou essa expressão de uma tradução portuguesa de uma obra de Lênin. Era uma frase mais ou menos assim: ''O futuro da humanidade repousa nos ombros da jovem guarda''. É uma apropriação antropofágica e magistral. De novo, um deslocamento de tradução nomeia a cultura brasileira. Carlito foi também o gênio por trás da imagem do PT, uma espécie de Duda Mendonça do bem. Criou os slogans ''oPTei'', ou o ''vaPT-vuPT'', ou o ''Lula-Lá'', e mais uma longa lista. Orientou os primeiros programas de televisão do Partido dos Trabalhadores, ao lado de Chico Malfitani e de Erazê Martinho. Sem ele, o PT não
teria a imagem que tem ou, melhor dizendo, a boa imagem que tem. Sobre a má imagem, ele jamais teve a menor responsabilidade. Dizia apenas que o PT era dividido entre xiitas e chaatos. E, outra vez, tinha razão.
Publicitário de esquerda, petista (não roxo, mas rubro) foi geren de comunicação da Rede Globo em São Paulo. Era uma divertida contradição em termos. A Globo pagava os buquês de flores que ele mandava diariamente, desde os tempos da ditadura, para os amigos que aniversariavam, que tinham filhos, que lançavam livros, que estreavam peças, que faziam discursos de oposição no Congresso. Depois que sua doença começou a se agravar assustadoramente, e isso de dez anos para cá, a Rede Globo pagou muito mais que flores. Pagou muito mais do que mandavam suas obrigações trabalhistas. A Globo dedicou a seu funcionário ilustre uma atenção que não será esquecida. Carlito jamais foi unanimidade, mas chegou muito perto. Foi velado com homenagens do PT, do MST e da Globo. Nada mais justo. O seu apelido, Carlito, era uma nítida alusão ao personagem de Chaplin, o Carlitos pobre, frágil, engraçado e de coração puro. Era assim, aliás, como um Carlitos à brasileira, que os cartunistas gostavam de desenhar Carlito Maia. Tudo a ver. O Carlitos do cinema desbancava todas as tiranias, desde a exploração do trabalho (em Tempos modernos) até o totalitarismo político (O grande ditador). O nosso Carlito fez igual. Foi, portanto, uma tradução viva do personagem solidário de Chaplin. Mas, exceção a todas as regras, não foi um erro de tradução: foi um acerto magnífico, isto sim. Melhor que o original. Por meio de Carlito Maia, o Brasil sonhou seus melhores sonhos. E sonhos não morrem.

eugenio@jb.com.br [27/JUN/2002]

Postado por Meg Guimar?es, 22 nov 2002 @ 22:28

COMENTÁRIOS

1 - O meu latim já deu para traduzir cesar depois esqueci:(beijos, mil)
Postado por: *L , novembro 24, 2002 10:49 PM

2 - Só mesmo você para dar toda a atenção possível até ao meu gasto latim heheh. Beijos, querida.
Postado por: Meg, novembro 27, 2002 07:36 PM

3 - Muito bom este artigo e muito lúcido o jornalista que o assina. São valores como os que distinguiam o publicitário, os quais ele punha a serviço de sua profissão, que a imprensa pode ser respeitada e prestar serviços à coletividade.
Muito boa sua escolha, Meg.

Postado por: Magaly, fevereiro 1, 2004 09:55 AM



Quem gostou do artigo e tiver vontade de manifestar-se sobre ele, vá ao Imagens & Palavras e use o sistema de comentários. Vai, com certeza, fazer a Meg feliz.


RECOMENDAÇÃO:

Já que estão no sítio exato, procurem ler o artigo eu pauta, EM DÍVIDA COM A MULHER, de CARLA RODRIGUES, onde, depois de introduzir o texto, ela responde a uma entrevista expondo de modo claro seus argumentos.
Como a matéria tem pontos polêmicos, aquele que quiser debatê-los, terá o sistema de comentários à sua disposição.
O banner do I&P está à esquerda do campo dos posts, aqui, neste blog.

Boa leitura! Espero que aproveitem.

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Para não terminar sem um poema, aqui deixo o lindo e, por isso mesmo tão solicitado


SONETO DA SEPARAÇÃO

De repente do riso fez-se o pranto
silencioso e branco como a bruma
e das bocas unidas fez-se espuma
e das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento
que dos olhos desfez a última chama
e da paixão fez-se o pressentimento
e do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
fez-se de triste o que se fez amante
e de sozinho o que se fez contente

fez-se de amigo próximo o distante
fez-se da vida uma aventura errante
de repente, não mais que de repente.

Vinicius de Moraes

Que saudades, Vivicius!

publicado por Magaly Magalhães às 5:59 PM