Divulgar
idéias próprias, combater o discurso invertido corrente,
aprender a dividir, expor sentimentos,
trazer poesia ao dia-a-dia, eis a abrangente ação deste
veículo de idéias. De tudo, um pouco - minha meta.
Será que vocês curtem poesia social como eu? Acho-as charmosas em seu despojamento. Aqui estão duas delas, de renomados poetas da última fase do movimento modernista.
Meu povo, meu poema
Meu povo e meu poema crescem juntos como cresce no fruto a árvore nova
No povo meu poema vai nascendo como no canavial nasce verde o açúcar
No povo meu poema está maduro como o sol na garganta do futuro
Meu povo em meu poema se reflete como a espiga se funde em terra fértil
Ao povo seu poema aqui devolvo menos como quem canta do que planta
Ferreira Gullar
Madrugada camponesa
Madrugada camponesa, faz escuro ainda no chão, mas é preciso plantar. A noite já foi mais noite, a manhã já vai chegar.
Não vale mais a canção feita de medo e arremedo para enganar solidão. Agora vale a verdade cantada simples e sempre, agora vale a alegria Que se constrói dia a dia Feita de canto e de pão
Breve há de ser (sinto no ar) tempo de trigo maduro. Vai ser tempo de ceifar. Já se levantam prodígios, chuva azul no milharal, estala em flor o feijão, um leite novo minando no meu longe seringal.
Já é quase tempo de amor. Colho um sol que arde no chão, lavro a luz dentro da cana minha alma no seu pendão. Madrugada camponesa. Faz escuro (já nem tanto), vale a pena trabalhar. Faz escuro mas eu canto porque a manhã vai chegar
Tiago de Melo
Concordam comigo?
Notas sobre o advento da poesia social no Brasil:
Com a decadência do regime monárquico no Brasil surge a Poesia Social. É a fase final do Romantismo que transcorre num ambiente de transformações econômicas, políticas e sociais: luta abolicionista, guerra do Paraguai, ideal republicano. É a vez da poesia social de Castro Alves, o tempo da geração condoreira, influenciada pela poesia política e social de Victor Hugo. O termo condoreirismo remete a condor, ave que habita o alto da Cordilheira dos Andes e que funciona para os jovens poetas românticos como símbolo da liberdade. Condoreiros também: Tobias Barreto e Souza Andrade Ao Romantismo sucede o Realismo e a poesia entra na fase parnasiana com seu culto à forma, dentro da corrente realista, estendendo-se até a Semana da Arte Moderna, 1922. O Simbolismo acontece como tendência refletindo um momento complexo que é a transição para o século XX e a definição de um novo mundo. Começa a delinear-se o Movimento Modernista. As primeiras produções modernistas são contemporâneas da primeira guerra mundial (1914) e da revolução russa (1917). O Modernismo, como tendência literária ou estilo de época, teve seu prenúncio com a realização da Semana de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo, nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922. Idealizada por um grupo de artistas, pretende colocar a cultura brasileira a par das correntes de vanguarda do pensamento europeu, pregando ao mesmo tempo a tomada de consciência da realidade brasileira. Trata-se de um movimento não só artístico; é um movimento político e social. E, como tal, faz vicejar a poesia de caráter social. O período de 22 a 30 é turbulento, como resultado da busca de definições com o rompimento de todas as estruturas do passado. Daí o feitio anárquico desta primeira fase do modernismo. Nomes importantes desse período, como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira e mais Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia, Guilherme de Azevedo continuam a produzir nas décadas seguintes. A segunda fase, de 30 a 45, exibe a estréia de nomes altamente significativos na poesia, como Murilo Mendes, Jorge de Lima, Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Vinicius de Moraes. A poesia social tem nessa safra de poetas uma inestimável contribuição, do mesmo modo que recebe vital força da Poesia Concreta, na qual se configura um conceito de técnica como trabalho social. Na produção contemporânea, sente-se do mesmo modo a preocupação com a manutenção da temática social. Permanecem nomes consagrados, como Carlos Drummond de Andrade, mais pilares como João Cabral de Melo Neto, Ferreira Gullar, Thiago de Mello.
publicado
por Magaly Magalhães às 11:47 PM
19.8.04
The Dance Oil Painting - Henry Matisse
Quem não conhece a bela e ingênua música de JAYME OVALLE?
Ovalle "é o poeta em estado virgem. A mais bela crisálida de poesia que jamais existiu desde William Blake. É o mistério poético em toda a sua inocência, em toda a sua beleza natural. É vôo, é transcendência absoluta. É amor em estado de graça." (Sabino, Fernando. Fragmentos de uma suíte ovalliana. Jornal do Brasil., 15.07.1974.)
É dele a música que atravessou fronteiras e teve na voz de Bidu Sayão sua interpretação mais expressiva:
AZULÃO
Jayme Ovalle e Manoel Bandeira
Vai azulão, azulão
Companheiro, vai
Vai ver minha ingrata
Diz que sem ela
O sertão não é mais sertão
Ai, voa azulão
Vai contar companheiro, vai
Ovalle era uma personalidade singular. Suas conversas distinguiam-se pelo humor, pela poesia e pela religiosidade. Seu lado místico causava espécie a seus amigos, pois ele assegurava que conversava com os anjos. De fato, era comum vê-lo aos brados a discutir com seu anjo da guarda. Ovalle lançou mão de temas religiosos e folclóricos para compor Berimbau, Três pontos de Santo, Chariô, Aruanda e Estrela do Mar.
A obra Azulão trouxe-lhe grande notoriedade. Inspirado no poema de Manuel Bandeira, Ovalle compôs esta canção em que melodia e letra refletem um lirismo acentuadamente brasileiro. Bidu Sayão divulgou a canção nos Estados Unidos e na Europa, alcançando enorme popularidade.
Jayme Ovalle nasceu no dia 5 de agosto de 1894, em Belém do Pará, tendo fixado residência no Rio de Janeiro em 1914. Costumava dizer:"Nasci no Pará, mas sou carioca, ou seja, um sujeito nascido no Espírito Santo ou em Belém do Pará, ou em Campina Grande." (O Estado de São Paulo. A música de Jayme Ovalle. 14.09.1980,p 11.).
Jayme Ovalle faleceu no dia 9 de setembro de 1955, no Rio de Janeiro
"Que um dia afinal seremos vizinhos
Conversaremos longamente
De sepultura a sepultura
No silêncio das madrugadas
Quando o orvalho pingar sem ruído
E o luar for uma coisa só."
(De Manuel Bandeira para Jayme Ovalle)
* * * * * * * * * *
Tocada pela cândida melodia de Azulão, sobreveio-me a saudade das cantigas de roda de minha infância. Lembrei-me de que tenho o CD das 16 cirandas, de Villa-Lobos, executadas pelo eloqüente pianista Arthur Moreira Lima. Estou agora a me deleitar com tão saborosas melodias e não vou me furtar ao prazer de mandá-las pra vocês, pelo menos aquelas de que mais gosto:
O Cravo e a Rosa
O Cravo brigou com a rosa
Debaixo de uma sacada
O Cravo ficou ferido
E a Rosa despedaçada
O Cravo ficou doente
A Rosa foi visitar
O Cravo teve um desmaio
A Rosa pôs-se a chorar
Peixe Vivo
Como pode o peixe vivo
Viver fora da água fria
Como poderei viver
Como poderei viver
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia
Os pastores desta aldeia
Já me fazem zombaria
Por me verem assim chorando
Sem a tua, sem a tua
Sem a tua companhia
Nesta Rua
Nesta rua, nesta rua, tem um bosque
Que se chama, que se chama Solidão
Dentro dele, dentro dele mora um anjo
Que roubou, que roubou meu coração
Se eu roubei, se eu roubei teu coração
É porque tu roubaste o meu também
Se eu roubei, se eu roubei teu coração
É porque eu te quero tanto bem
Se esta rua, se esta rua fosse minha
Eu mandava, eu mandava ladrilhar
Com pedrinhas, com pedrinhas de brilhante
Para o meu, para o meu amor passar.
Este post é dedicado à nossa companheira Meg , conterrânea de Jayme Ovalle, e, certamente apreciadora das melodiosas cantigas de roda.
publicado
por Magaly Magalhães às 11:34 PM
12.8.04
Pena! Vou ficar devendo as imagens que escolhi para hoje. O Blogger Status esclarece que, por ora, há uma passageira dificuldade na aposição de imagens. Pretendo colocá-las assim que o serviço for liberado.
A uma amiga que se desvelou para mim hoje e que me deixou nutrida de afeto e carinho. Trocávamos comentários. Fui atraída pelo texto maduro, revelador de um espírito criativo, de uma personalidade forte, de um jeito disciplinado e seguro. Ela estava sempre por perto. Respondia-me, trocávamos idéias. Ensinou-me muitas coisas! Entre algumas descobertas de afinidades, Murilo Mendes surge como uma preferência insuspeitada. Estava delineado o sentimento de amizade espontânea e recíproca. Obrigada, Helô. Murilo acabou de chegar referendando nossa amizade. Abri o livro com pressa. Pressa? Pra ler sobre Murilo? E por Fernando Fábio Fiorese Furtado, o escritor cujo nome já é em si uma aliteração? Nunca havia lido, Helô, uma dedicatória tão bonita e sonora e poética. Nem agradecimentos e homenagens tão bem compostos. Isto significa que F.F.F.F. promete deixar-me ligada na leitura, sem apelativo. Obrigada de novo, amiga. Foi uma grande emoção!
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Viram como nossa querida *figurante* Meg saiu-se bem na entrevista ao escritor angolano José Eduardo Agualusa, na coluna do Gravatá, no Informática Etc desta segunda-feira? A entrevista está perfeita, as perguntas dos entrevistadores (Meg, Daniela Abade, Ana Maria Gonçalves e Alexandre Inagaki) muito bem elaboradas, as respostas do entrevistado muito bem urdidas. E Gravatá lavra mais um tento, minha gente!
Por outro lado, o lançamento de Todas as Festas Felizes Demais, de Fábio Danesi Rossi deve ter mobilizado muita gente ontem, em São Paulo. Meg fez um post excelente sobre a matéria, muito esclarecedor. Imperdível! Vejam lá no Subrosa.
Ontem também, ocorreu a abertura de uma nova exposição do nosso apreciado artista Dudi Maia Rosa , com 14 peças inéditas, no Centro Cultural de São Paulo, rua Vergueiro, 1000 / Paraíso / São Paulo. Quem tiver condição não deve perder mais esta oportunidade.
Finalmente, um dado sentimental, passado em branco, infelizmente: o aniversário de nascimento de Haroldo Maranhão, no dia 7 pp. Não pude comparecer aqui, ao blog, para prestar-lhe uma homenagem, que lhe rendo agora, tardiamente. Ele está agora entre ícones da literatura, como Mário Faustino, Cecília Meireles e outros, seus contemporâneos.
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POEMA DE ALÉM-TÚMULO
Murilo Mendes
Deste horizonte estável Vejo homens e bichos combatendo Ao mesmo tempo pela guerra e pela paz, Vejo campos de sangue e ossadas, Faixas de terror: Mas vejo essencialmente uma coisa branca, Um castelo branco e simples Feito de um só diamante Que da terra não se vê.
CaminhoTchibum Juiz de Fora / MG
publicado
por Magaly Magalhães às 10:00 PM
5.8.04 HENRY CARTIER-BRESSON
Nasce em Chanteloupe, na França, em 1908, Henry Cartier-Bresson, aquele que seria o gênio da fotografia contemporânea e que acaba de falecer há dois dias, aos noventa e cinco anos de profícua existência. Sua habilidade em apanhar o instante azado de clicar, sua capacidade visual exercitada no desenho por longo tempo, seu preparo em pintura, seu método disciplinado de trabalhar, mais seus ensaios sobre teoria e prática de fotografia transformam-no na figura mais brilhante entre os fotojornalistas contemporâneos. Para ele, as coisas insignificantes podem constituir grandes temas de trabalho. Sua obra é uma coleção desses mínimos detalhes humanos, as coisas como soem ser na realidade imediata. A verdade é que, com Henri Cartier-Bresson, o *snap shooting* eleva-se ao nível de uma refinada e disciplinada arte.
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Voltemos aos minicontos. Há novidades boas a contar. Lembram-se do Dauro Veras? Semifinalista do Concurso de Narrativas Breves Haroldo Maranhão? Já tive oportunidade de transcrever aqui uns microcontos de sua autoria, muito interessantes, aliás, e que tiveram ótima receptividade. Pois bem, essas últimas notícias de morte serviram de leitmotif para outras produções do talentoso jornalista catarinense. Eis um de seus novos contos breves:
PRESENÇA
As cinzas de seu pai haviam sido espalhadas na praia deserta. Um mês depois ela voltou ao lugar. Sentou-se sobre uma pedra em frente ao oceano e respirou fundo. O ar da manhã, com odor de mar e orvalho, acariciou seus pulmões. Sentiu um arrepio bom na nuca e um levíssimo afago na testa. Sorriu. Não tinha espelho, mas sabia-se com covinhas no rosto, igual a ele. Sabia-se amada. Espreguiçou, caminhou poderosa até o carro e foi tomar um café expresso com pão de queijo.
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Um poema (o meu preferido) de Murilo Mendes:
NATUREZA
Contempla estas montanhas lavadas E a luz que desce em oblíqua dança. Tudo chega de um modo antiqüíssimo Onde encontraremos pedaços desajustados de fotografias: Recortes de pensamentos visuais E um amor que não quer colaborar com a morte -Vasto pássaro bicando as montanhas lavadas.
Do livro Murilo Mendes Melhores Poemas / Editora Global
publicado
por Magaly Magalhães às 2:09 PM
1.8.04 DUDI MAIA ROSA
Dudi/Exposição
Dudi está expondo em São Paulo. Pena que não posso deslocar-me para lá agora. Tão perto São Paulo do Rio, mas não dá. Gostaria de homenageá-lo no local da exposição. Mesmo de longe, vai meu desejo de que tudo saia perfeito, como já tem ocorrido tantas vezes. Nas obras de Dudi, o ponto de máxima atração para a minha sensibilidade é a cor. Ele consegue matizes insuspeitados que são um presente para os olhos. Suas aquarelas exibem esses tons singulares que as tornam, além de atraentes, encantatórias. Boa sorte, Dudi!
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César, posso apanhar seus haicais para o meu post, pois não? São tão inspirados!
HAICAI SIAMÊS
O que se pode fazer Se eles são siameses O amar e o sofrer?
HAICAI DE QUEM AMO
Eu sei que amo você Porque sei o quanto dói Em mim esse seu sofrer
E os versos limpos, César? Deixe-me abusar de sua generosidade. São uma graça!
VERSO LIMPO 1
Você diz O que eu penso Eu dispenso O que você diz Quem mandou Fazer assim Falar o que penso Antes de mim?
VERSO LIMPO 9
Um sim Tão vão Assim É não
Encontrados no livro Wunderblog.com / Editora Barracuda/ São Paulo e constantes do espaço PRO TENSÃO /César Miranda
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Não posso calar: A dor que tomou conta de toda a gente com a notícia da morte do jovem e competente jornalista Fernando Villela, o Fervil, num assalto de rua, já tão comum, mas sempre inaceitável, cruel, desumano À família Villela, nossas condolências, os sentimentos do mundo blogueiro.
publicado
por Magaly Magalhães às 11:05 AM