Divulgar
idéias próprias, combater o discurso invertido corrente,
aprender a dividir, expor sentimentos,
trazer poesia ao dia-a-dia, eis a abrangente ação deste
veículo de idéias. De tudo, um pouco - minha meta.
No modo oriental de encarar o ser humano, fica difícil separar a concepção religiosa da filosófica. Os orientais não as separam, já que têm do homem uma visão cósmica. No Ocidente, herdamos da filosofia grega a visão do homem como sujeito: o eu é visto como sujeito, enquanto o social é minimizado. E esta concepção manteve-se através de toda a evolução do pensamento filosófico ocidental pelo tempo afora: na filosofia medieval, nas teorias do Iluminismo, na filosofia contemporânea. Na realidade, somos seres de natureza cultural (Ser / Valorar / Saber). Saber representa Poder. Tudo leva a crer que, quanto maior o conhecimento, melhor o desempenho do homem (mas é isto o que se tem verificado na realidade? Não usamos o nosso conhecimento científico para a fabricação de armas mortíferas?). Os conceitos filosóficos de Platão e Aristóteles, posteriormente adotados por Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, respectivamente, já mostram uma visão cristã. Na Renascença, considera-se o homem triunfante, o suposto Homem Racional. Hoje, diz-se exatamente o contrário: Racional = Consciência + Existência. Racionalidade = ComportamentoAdequado é questão posta em dúvida. Este tipo de questionamento só foi percebido a partir do século XIX para o século XX, impondo-se a análise qualitativa dos conhecimentos. Se conhecimento leva o homem a um melhor estágio de vida, como se compreende que um cientista use sua linguagem científica para produzir instrumento de tortura? Aqui, então, o conhecimento pode ser visto em sua ambigüidade. Como instrumento de mediação, pode ser usado de forma benéfica ou maléfica. Ele se desenvolve a partir da solicitação do poder. No momento, nossa sociedade vive uma crise ética, uma crise de valores; não temos respeito pela vida. Essa crise pode induzir o homem a questionar-se, a pensar-se e até a reformular-se. O conhecimento não é sempre constante, crescente e ininterrupto. Um exemplo disso é o comportamento dos gregos que, em suas considerações filosóficas, chegaram até o átomo e o esqueceram. Passaram-se séculos para que o átomo voltasse à linha de consideração e fosse utilizado o manancial de possibilidades que abria. Infelizmente, abriu portas também para a destruição. Será que o remédio a aplicar a um grupo social que se desagrega é um rompimento, um corte? É possível, em certos aspectos, mas não integralmente. Marx, Nietzsche e Freud produziram grandes feridas no egocentrismo ocidental; determinaram profundas rupturas, mas nada de caráter total. Marx rompeu com uma série de conceitos relativos a propostas positivistas, todavia, propôs etapas superpostas, tal como o positivismo proclamara.
A dinâmica relacional conduz a sínteses imprevisíveis. Dentro do código maior, há muitos microcódigos de núcleos menores, dando lugar a resultantes inesperadas.
A verdade não é a verdade. É a versão da verdade que nós conhecemos. A dúvida é muito mais importante que a certeza. A dúvida é dinâmica enquanto a enquanto a certeza congela.
A necessidade de indagar é constante e as respostas nem sempre vêm da ciência. Quando se perde a capacidade de indagar, perde-se a capacidade hominal.
Em última instância, o Homem é essa travessia.
Nota: Este post assim como o anterior têm como finalidade homenagear a grande figura de mestra que conheci na Profª Valderez, da FACHA, com quem tive a oportunidade de fazer um breve curso (livre) de Antropologia, em 1988/89. Os conceitos por ela transmitidos guiaram-me na exposição desses últimos trechos aqui apresentados. Dedicada e eficiente, abriu-me prismas novos para a busca de conhecimento do homem em si e suas relações como mundo que o cerca.
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Um poema de Murilo Mendes:
O RITO HUMANO
Pelas curvas da tarde vem surgindo A inefável palavra Agnus Dei. Ouço balidos pelo mundo inteiro; Matam o cordeiro branco redentor.
As armas do futuro desenhadas Vejo no espaço, túmulos abertos: Os balidos rebentam das gargantas Até dos que inda estão para nascer.
De variadas maneiras matam o homem. Matam a pureza, a paz, a liberdade, Pelo cutelo, a bomba, a guilhotina,
Pelo silêncio, a fome, a solidão. Fecha o leque de plumas o Oriente, Abre o Ocidente o tanque de terror.
Não há sociedade à qual não se atribua uma organização transcendental. É próprio do homem questionar sobre si mesmo, pensar-se. As religiões constituem uma dessas formas de indagação. O homem não criou o sagrado por medo dos fenômenos da Natureza, como se costumava afirmar, e sim porque precisava estabelecer os seus limites e os dos outros seres. O sagrado derivou da consciência de que o homem é um ser diferente dos demais seres da Natureza, o que equivale a dizer que o sagrado tem a idade do homem. O pensamento mágico (não confundir sagrado com magia) corresponde ao interesse que o cientista hoje sente diante do que ainda não descobriu, ou seja, a busca do mágico corresponde à pesquisa científica. Que se faça bem a diferença: Religião é a busca do sagrado, da transcendência (verdade maior). Magia é o anseio de desvendar o incognoscível (com vistas em resultados práticos). Numa crítica rápida, podemos dizer que nenhuma sociedade usou tanto o pensamento mágico como a do século XX e começo do século XXI, o que significa que nunca estivemos tão imersos no imaginário como no presente. Realmente, toda sociedade em processo de desestruturação usa e abusa do mágico. Não dos mitos antigos, mas de um esquema imaginário que atenue as dificuldades do real e aja sobre seus membros no sentido de impedir que eles exijam a queda do sistema. Ao considerarmos o pensamento filosófico, vamos encontrar na base de todas as filosofias o trinômio: Ser - Valorar - Conhecer. O homem ocidental, porém, sempre teve a pretensão de achar-se o único com capacidade de organizar seu pensamento lógico. negar aquilo que não veio a conhecer por si mesmo. Por exemplo, se o europeu não conhecia, digamos, o ferro, isso o levava a crer que nenhuma outra sociedade pudesse ter conhecido o metal anteriormente. Infelizmente, para prejuízo de todas as sociedades, registrou-se a destruição de acervos culturais, como o da valiosa Biblioteca de Alexandria ; como o extraordinário acervo dos Maias (inscrições em pequenas tábuas: as pintadas de amarelo versavam sobre matemática e geometria; as vermelhas, sobre filosofia; as azuis, sobre partituras). Os filósofos gregos consideravam o homem através da dicotomia corpo X alma. Já o oriental jamais analisou o homem por essa ótica, considerando sempre a fusão do corpo e da alma. Isto se depreende do pouco do documentário que não foi destruído pelo fogo em Alexandria. Da visão africana sabemos ainda menos, tendo em vista que a África foi um continente arrasado, escravizado durante longo tempo. Os filósofos escolásticos acreditavam na autonomia do homem, uma vez que este fora feito à imagem e semelhança de Deus. Não foi agradável para o homem ocidental descobrir que a condição de homem só é possível dentro de um contexto cultural; fora desse contexto, ele é incapaz de se posicionar. Para ilustrar o conceito, existem cinco casos de crianças que foram criadas por animais. Tais crianças adquiriram o comportamento dos animais que as criaram e não tiveram condição de se socializarem posteriormente, quando resgatadas para o convívio humano. Nos cinco casos, as criaturas vieram a morrer em pouco tempo sem lograrem responder positivamente a qualquer tentativa de condicionamento à vida humana. E só em um desses casos ficou evidenciado um caso de debilidade mental congênita. Isto vem validar a teoria de que o homem só existe dentro do grupo social. O animal é programado geneticamente. Cada animal sabe o que comer, onde se esconder, como reagir ao perigo, como curar-se, como reproduzir-se. Cada animal é portador de um código genético. Um gato, por exemplo, pode ser amamentado por uma cadela, pode viver a vida toda entre cachorros e nem por isso vai deixar de portar-se como um gato, de miar, de lamber-se, de reagir como gato a qualquer estímulo externo. Recentes pesquisas feitas sobre o código genético dos animais tendem a considerar que certos animais, como elefantes, golfinhos e algumas espécies de macacos dão sinais de que se comunicam, de que têm uma linguagem própria. Aguardemos o avanço desses estudos. Voltando ao homem, este, sim, não prescinde do grupo, de suas regras, de seus símbolos. Pode ser uma metáfora a interpretação da perda do paraíso como um corte, uma suspensão: o homem perdeu a capacidade de ser *natureza*, de ter um código genético, de portar a *inconsciência animal* para existir inteligentemente, submetido a normas e regras, para viver dentro de símbolos. Todas as culturas são dinâmicas. Mudam porque o homem tem tendência a rejeitar os signos com os quais lida (embora nem sempre a mudança signifique evolução). Novos signos substituirão os anteriores num sistema novo. Ao homem pode-se atribuir toda dualidade: sagrado X profano, bom X mau, grande X pequeno, puro X impuro, sempre dentro de códigos, mas sempre em sociedade, nunca isolado. Sozinho, o homem marginaliza-se. Nossa verdadeira natureza é simbólica.
publicado
por Magaly Magalhães às 11:38 PM
14.9.04
Gravura digital por Flávia Magalhães
Hoje apareço aqui trazendo na alma uma carga de saudade avassaladora. Faz 1 ano que meu Estevão se foi. É verdade que o tempo reduziu o abalo sofrido, atenuou o trauma da separação, devolveu-me às atividades normais. Permanece só essa saudade doída, inextinguível, razão por que vim abrigar-me à sombra da estima de vocês. Trago um poema dedicado a ele. Volto daqui a uns dias, menos tensa.
ELEGIA
(A Estêvão)
Pensar em morte, por quê? Seria incidente para fim de vida. Eis que ela me atinge de chofre: arranca-me o rebento pela (adulta) raiz.
Homem-menino, tanta a sua candura! Estrela da criançada, emblema da alegria! Que é deste Pardal de vôo ambíguo tecendo ponte entre pretérito e porvir?
Agonizo aqui de dor e saudade: morte que cauteriza sonhos, morte que neutraliza vidas. *Morte que separa homem&sombra*
Elaborá-la é ato de força e coragem. Resta-me a crença de que um Deus onividente, onisciente e justo está a gerir esse nosso insondável destino.
14 / 09 / 2004 RIO
publicado
por Magaly Magalhães às 12:30 PM
8.9.04 * Contos e cantos populares publicado
por Magaly Magalhães às 11:06 PM
A imagem referente ao post Contos e Cantos Populares é um óleo sobre tela intitulado PAISAGEM RURAL, de Anita Malfatti (século XX, década de 20.)
publicado
por Magaly Magalhães às 10:00 PM
6.9.04 CONTOS E CANTOS POPULARES Contos populares são contos com funções definidas: de entretenimento e de educação. Muitos são os temas tratados nos contos populares: há os de exemplo, os de encantamento, os religiosos ou morais, os de animais, os que dizem respeito à fundação de um local, entre outros.
Como cantos populares conhecemos: acalantos, batuques, canções, modinhas, cirandas, trovas, lundus, rondas, as produções do ciclo junino e do natalino, as canções recolhidas da tradição oral e muitas outras modalidades.
Um conto popular:
A Cumbuca de Ouro e os Marimbondos
Havia dois homens, um rico e outro pobre, que gostavam de fazer peças um ao outro. Foi o compadre pobre à casa do rico pedir um pedaço de terra para fazer uma roça. O rico, para fazer peça ao outro, lhe deu a pior terra que tinha. Logo que o pobre teve o sim, foi para casa dizer à mulher, e foram ambos ver o terreno. Chegando lá nas matas, o marido viu uma cumbuca de ouro, e, como era em terras do compadre rico, o pobre não a quis levar para casa, e foi dizer ao outro que em suas matas havia aquela riqueza. O rico ficou logo todo agitado e não quis que o compadre trabalhasse mais nas suas terras. Quando o pobre se retirou, o outro largou-se com a sua mulher para as matas a ver a grande riqueza. Chegado lá, o que achou foi uma grande casa de marimbondos; meteu-a numa mochila e tomou o caminho do mocambo do pobre, e logo que o avistou foi gritando:*Ó compadre, fecha as portas e deixa somente uma banda da janela aberta!* O compadre assim fez, e o rico, chegando perto da janela, atirou a casa de marimbondos dentro da casa do amigo, e gritou: *Fecha a janela, compadre!* Mas os marimbondos bateram no chão, transformaram-se em moedas de ouro, e o pobre chamou a mulher e os filhos para as ajuntar. O ricaço gritava então: *Ó compadre, abra a porta!* Ao que o outro respondia: *Deixe-me, que os marimbondos estão-me matando!* E assim ficou o pobre rico, e o rico ridículo. (SÍLVIO ROMERO / Contos Populares do Brasil / 3ª ed / Rio de Janeiro, 1903, pág. 248.)
Um canto popular
Trovas Brasileiras
No lugar aonde eu canto Todos me tiram o chapéu; Cada repente que tiro, Corre uma estrela no céu
- Dizem que mulher é falsa, É falsa que nem papel, Mas quem vendeu Jesus Cristo Foi homem, não foi mulher...
Não tenho medo de homem, Nem do ronco que ele tem; O besouro também ronca, Vai-se ver, não é ninguém.
Chuva que tem de chover, Por que é que está peneirando? Amor que tem de ser meu Por que está negaceando?
Andorinha do coqueiro, Dá-me novas do meu bem... Os meus olhos estão cansados De esperar por quem não vem.
Lá vai a garça voando Com penas que Deus lhe deu. Contando pena por pena, Mais penas padeço eu.
(AFRÂNIO PEIXOTO / Trovas Brasileiras / Rio de Janeiro, 1919.)